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23/12/2024

Câmara aprova mais mudanças na Lei de Zoneamento de São Paulo (Valor Econômico)

Vereador eleito pelo PT, Nabil Bonduki fala em 'aberração' e vê insegurança jurídica nas alterações

Por Ana Luiza Tieghi

 

Às vésperas do recesso, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta sexta-feira (20) medidas que alteram o zoneamento de alguns bairros da cidade e permitem que lajes de terminais de ônibus e de estações de metrô sejam comercializadas para empreendimentos. Tudo o que foi aprovado ainda precisa passar pela sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

No caso das alterações na Lei de Zoneamento, foram apresentadas 34 emendas a um projeto antigo, de 2018. Os vereadores propuseram alterar o tipo de zoneamento em algumas quadras ou até mesmo em imóveis específicos dos bairros Cidade Jardim, Alto de Pinheiros, Santana, Vila Andrade e no Centro.

Com exceção da mudança na Vila Andrade, todas as alterações vão no sentido de ter menos empecilhos a novas e maiores construções. Uma das mudanças mais significativas é em Santana, onde 24 quadradas da Avenida Braz Leme devem ter o limite máximo de altura para prédios ampliado de 28 metros para 48 metros, devido a uma nova classificação de zoneamento.

Na noite de quinta-feira, Nunes afirmou à imprensa, após a cerimônia de titulação dos vereadores eleitos, que o governo não havia analisado as emendas e que a chance de veto era grande. “Não tenho nenhum compromisso de sanção”, disse. Segundo ele, será feita uma “análise técnica”.

Ao Valor, o vereador Rodrigo Goulart (PSD), da base de Nunes e próximo ao setor imobiliário, afirmou que a apresentação de emendas é uma “prerrogativa parlamentar”, e reforçou a afirmação de Nunes de que a decisão de vetar ou não as emendas deve ser técnica. “Nada diferente da forma como foi nos outros projetos urbanísticos que foram aprovados aqui”, disse.

A Lei de Zoneamento de São Paulo, de 2016, foi revisada e sancionada em janeiro deste ano. O prefeito fez 58 vetos, dos quais 17 foram derrubados pelos vereadores. Uma “revisão da revisão” também já havia sido feita em junho.

Para o urbanista, professor da USP e vereador eleito Nabil Bonduki (PT), a apresentação das emendas é uma “aberração”. Segundo ele, que já teve outros mandatos na Câmara, havia uma regra informal de não se aprovar emendas pontuais que alterassem o zoneamento, “para que todas as mudanças fossem feitas de maneira conjunta, pensando em critérios da cidade”, mas a Câmara atual tem passado por cima disso.

Para ele, esse tipo de alteração, que só atinge poucas quadras ou imóveis específicos, está ligada ao “interesse privado localizado”. Servem para aumentar o potencial construtivo dos terrenos e a sua valorização. “Não tem segurança jurídica para os moradores, você compra um lote achando que o entorno não vai ter modificação, e de repente mudam totalmente as condições”, diz.

Prédios em cima de estações

Antes de aprovar as mudanças no zoneamento, na tarde desta sexta-feira, a Câmara aprovou um projeto de lei que libera a construção de um aterro sanitário em São Mateus (Zona Leste) — o que vai exigir o corte de 10 mil árvores.

Junto com o texto vieram “jabutis”, jargão para inclusão de assuntos sem relação ao projeto. Uma emenda libera barulho acima do previsto pela lei do Psiu no entorno de casas de shows e eventos. Outra permite a construção de prédios nas lajes de terminais de ônibus e de estações de metrô. Uma terceira emenda permite que unidades de habitação de interesse social (HIS) sejam construídas em Operações Urbanas Consorciadas (OUCs), sem que elas consumam o estoque de áreas para construção previsto na operação, o que libera mais prédios nesses espaços.

A justificativa para a emenda das lajes é promover o adensamento populacional em regiões com oferta de transporte público de massa. Para a emenda da HIS, é permitir mais imóveis que atendam a esse público nas áreas de OUCs. Imóveis HIS são voltados para famílias que ganham até seis salários mínimos.

José Police Neto, subsecretário de Desenvolvimento Urbano do Estado de São Paulo e coordenador do Centro de Estudos das Cidades (Arq.Futuro), do Insper, classifica a proposta de construção de prédios nas estações como positiva. “São áreas públicas de muito valor e devem ter seu aproveitamento intensificado”, diz, tanto para habitação quanto para serviços ou comércio.

Ele lembra que na gestão de Fernando Haddad na prefeitura foi aprovada uma legislação para permitir a exploração dessas lajes por parceria público-privada, e que a proposta atual é uma evolução disso. “O poder público poderá realizar leilões para a venda das áreas ou aceitar propostas de incorporação, participando como sócio do resultado”, diz, acrescentando que as modelagens podem garantir "atratividade e investimentos", inclusive para o próprio sistema de transporte público.

Na sua visão, são áreas que “historicamente não tinham quase nenhum valor” e que agora podem ser das mais valorizadas da cidade.

O Secovi-SP, sindicato de empresas do mercado imobiliário do Estado de São Paulo, foi procurado pelo Valor, mas informou que seus porta-vozes estão em recesso.

Segudo Bonduki, se não houver vetos às emendas ou aos “jabutis”, é possível questionar a sua legalidade, porque eles não passaram pelo processo regular de debate, diferentemente do projeto original, do aterro de São Mateus. “Se ninguém fizer isso antes, vou fazer já no começo do ano.”

FONTE: VALOR ECONôMICO