A compra das operações do HSBC no Brasil pelo Bradesco marca o fim da consolidação do sistema bancário doméstico após a crise de 2008, o predomínio agora praticamente inabalável dos bancos nacionais privados e a reversão do aumento da participação do capital estrangeiro no setor, iniciada após o Plano Real. Por outro lado, a concentração bancária, que deu um salto expressivo após 2008, aumentou ainda mais com a aquisição ¬ os quatro maiores bancos do país passaram a deter 75,7% do crédito total. No embate pelo mercado nacional, o Bradesco voltou a se aproximar do Itaú Unibanco e passar a Caixa Econômica Federal, a terceira maior instituição.
O prejuízo do HSBC em 2014 foi o sinal derradeiro e eloquente das dificuldades de um banco estrangeiro avançar no varejo brasileiro. Depois de comprar o Bamerindus, sétimo maior banco do país, sob liquidação, em 23 de março de 1997, colocando R$ 1 bilhão de capital próprio, o HSBC esboçou uma ofensiva que o levaria às primeiras posições no ranking.
Intenções grandiosas foram derrubadas por indecisão de rumos e concorrentes ativos e bem instalados. O período de estadia do HSBC no país foi propício à expansão de bancos. O volume de crédito, de 28,3% do PIB em 2000, dobrou para mais de 56% do PIB em 2014, quando o HSBC, assolado por altos custos de operação, teve prejuízo, algo raro para bancos de seu porte, mesmo em períodos de crise.
O HSBC não encontrou um caminho próprio ou marca distintiva. No exterior, seu trunfo é sua enorme rede global, que apoia empresas e investidores onde quer que pretendam fazer negócios. Isto pode ter lhe trazido alguns bons clientes no país, apesar da concorrência bem implantada na área do Citibank, mas foi claramente insuficiente para bancar uma operação de porte bem sucedida. Capturou 600 mil correntistas endinheirados, embora isso também não o tenha feito deslanchar.
O Bamerindus, quando entregue ao HSBC, tinha uma rede de agências maior do que a do Itaú. O banco teria de ter ações decisivas de varejo ou encolher e se dedicar a nichos lucrativos. Ficou no meio do caminho: encolheu o número de agências e teve atuação anêmica na conquista de novos correntistas.
A "época de ouro" dos bancos estrangeiros ocorreu logo após o Real, com a quebradeira de grandes bancos nacionais. Em 2001, entre as 12 maiores instituições do país, 5 eram estrangeiras (pelo porte, Santander, ABN Amro, Bank Boston, Citi e HSBC. Agora são apenas duas, Santander e Citi.
A promessa implícita na revoada de bancos para o Brasil era a de ganhos de qualidade, de preços dos serviços e de tecnologia que não ocorreram. Nem todos se adaptaram a um mercado peculiar, repleto de barreiras. Em seus países de origem vários desses bancos jamais enfrentaram como rivais bancos públicos gigantes, com mais de 40% do mercado de crédito, um mercado com alto grau de direcionamento obrigatório do crédito e bancos nacionais com alta capacidade de competição e elevado nível de tecnologia. Um dos primeiros a entrar e sair foi o Bilbao Viscaya, segundo maior banco espanhol, que comprou o Econômico e não se deu bem.
O Itaú comprou o Unibanco e se preveniu do avanço externo, além de levar depois o Bank Boston. O Bradesco seguiu também o caminho das aquisições e ajudou a fechar o terreno à ofensiva estrangeira. Sobraram o Citi, que não mostra agressividade no varejo e ganha dinheiro em seu nicho, e o espanhol Santander, o mais ousado e bem - sucedido entre os estrangeiros. Quando pagou ágio de 281% e desembolsou R$ 7 bilhões pelo Banespa, em novembro de 2000, houve quem qualificasse de loucura o lance. Mas era a última grande chance de acesso ao mercado, a partir da qual cresceu ainda mais com aquisições de bons bancos, como o Real. Teria avançado bem comprando o HSBC, mas perdeu a disputa.
Da mesma forma, ações do Bradesco caíram após o anúncio da transação pelo preço supostamente alto que pagou. Mas o HSBC era outra oportunidade única. Primeiro, para que não se distanciasse de seu maior rival, o Itaú Unibanco, algo muito mais difícil de realizar sem a aquisição, porque não há mais bancos de porte semelhante disponíveis. Depois, por reforçar presença no mercado do Sul, onde o ex - Bamerindus tinha suas raízes e rechear sua carteira de clientes de alta renda e, terceiro, pela eliminação de um rival, ainda que fraco.
A compra do HSBC porém, aumenta a concentração, já elevada em depósitos e crédito. Para o cliente dos bancos, pode não ser uma boa notícia.