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21/11/2024

BC avança em agenda regulatória na transição de Campos Neto para Galípolo (Valor Econômico)

Regras miram risco em pagamentos, estrangeiros, ativos digitais e câmbio

Por Gabriel Shinohara

A pouco mais de um mês do fim do ano, quando terminam os mandatos de Roberto Campos Neto e de Otavio Damaso, respectivamente presidente e diretor de regulação do Banco Central (BC), a autoridade monetária prepara uma série de normas e regramentos para assegurar a continuidade da agenda de inovação, que ampliou a concorrência e a inclusão bancária nos últimos anos, e ao mesmo tempo “arrumar a casa”, tornando mais claras as regras e responsabilidades de cada ente regulado.

Depois de incentivar a chegada de fintechs e de novos prestadores de serviços financeiros, o Banco Central agora tem endurecido as exigências e restringido a atuação dos novos provedores para facilitar o trabalho de supervisão, num cenário de proliferação de tentativas de fraude e de vazamentos de dados de chaves do Pix. Na semana passada, determinou que apenas instituições autorizadas poderão solicitar adesão ao Pix a partir de 1º de janeiro de 2025.

A agenda é tocada pelo corpo técnico do Banco Central, que independe de mudanças nas indicações políticas para diretoria. Por outro lado, as prioridades costumam ser ajustadas de acordo com o momento e as condições dos diferentes mercados.

Entre novas consultas e a edição de normas, o Banco Central deve abordar temas polêmicos, que opõem interesses comerciais de bancos incumbentes e instituições financeiras entrantes, como as novas regras para investidores não residentes, serviços bancários para terceiros, negociação de criptoativos, câmbio de moedas, entre outras. Apenas em outubro e novembro, o BC estendeu o prazo para contribuições do mercado sobre gerenciamento de riscos de arranjo de pagamento, apresentou uma consulta de regulamentação para o chamado ‘‘banking as a service’’ (BaaS) e colocou minutas das normas para ativos virtuais também em consulta pública.

As coisas têm que andar em paralelo. Não posso deixar cripto esperando que resolva o problema de arranjo de pagamentos”

— Alessandra Rossi

O Banco Central prevê, ainda este ano, a abertura da uma consulta pública sobre novas regras para operações interbancárias de câmbio. Antes de 2025, o regulador espera divulgar a proposta de regulação para a operação das entidades que operam o mercado de ativos virtuais no câmbio. No início do próximo ano, deve publicar novas normas prudenciais e fazer uma outra consulta pública sobre riscos ambientais. Em 1º de janeiro ainda entram em vigor as novas normas contábeis para instituições financeiras, o IFRS 9.

Pelo caminho, ficaram o Drex, o arranjo financeiro do real digital que entrou na segunda fase do programa piloto e admitiu novos participantes para o desenvolvimento de novos casos de uso, incluindo uso e compartilhamento de garantias para crédito. Testes com usuários selecionados, no entanto, devem ficar mais para frente e a novidade ainda não tem data para chegar à população em geral.

Alessandra Rossi, sócia da área de direito bancário, seguros e financeiro do Machado Meyer, destaca três temas - gerenciamento de riscos, BaaS e ativos virtuais - como os mais espinhosos e aponta que apesar de diferentes, eles têm intersecções. Para ela, há de fato muitas mudanças de uma só vez, mas não poderia ser diferente. “As coisas têm que andar em paralelo. Eu não posso deixar o mundo que está mais no cripto parado esperando que eu resolva o problema de arranjo de pagamentos. Enquanto isso, as operações de parceria estão crescendo e vão trazendo riscos para o mercado, uma insegurança jurídica. Eu não posso deixar o mercado desnivelado”, disse.

A regulamentação dos prestadores de serviços de ativos virtuais - Vasps, na sigla em inglês - é uma das mais aguardadas pelo mercado e está sendo feita por etapas. Na consulta em aberto, o Banco Central apresentou as minutas de resolução de conduta, organização e processo de autorização dos provedores de serviços de ativos virtuais. Apenas prestadores de serviço autorizados poderão atuar no segmento, o que inviabiliza a operação de plataformas de ativos digitais a partir do exterior.

 

 

 

O artigo 75 da minuta colocada em audiência pública diz que “é vedada, em qualquer hipótese, a celebração de contrato de correspondentes no país para as operações realizadas pelas prestadoras de serviços de ativos virtuais.” Para Fabio Rodarte, do Levy & Salomão, da forma como foi colocado, o artigo poderia dar margem à interpretação de que o BC pretende vetar como um todo os serviços do chamado “cripto as a service”. “É possível que essa contratação venha a ser regulada pela norma de banking as a service (BaaS), também em consulta pública. Neste caso, a entidade não regulada seria uma tomadora de serviços de BaaS, ou melhor, CaaS (Crypto as a Service)”, disse.

 

Além da proposta de regulação para a operação no mercado de câmbio, o BC planeja uma segunda fase de regulamentação em 2025. A próxima etapa deve tratar das “stablecoins”, as moedas virtuais que são lastreadas em ativos reais, como o dólar. O alvo do BC são as remessas e pagamentos para o exterior por meio dessas moedas digitais, que passam ao largo da regulação e da incidência de IOF (Imposto sobre Operação Financeira) com alíquota de 1,1%. O tema é alvo de um projeto de lei do deputado Aureo Ribeiro (SD-RJ), autor do texto que deu origem ao Marco Legal dos Criptoativos.

 

Ivo Mósca, diretor de inovação, produtos e serviços da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), ressalta que algumas instituições estão avançando neste tema, mas outras aguardam sair a regulação para fazer investimentos “de forma assertiva”. Segundo ele, a ideia é “não ter desvios em relação ao plano original devido a uma mudança regulatória”.

 

Outro tema em discussão há alguns anos é o gerenciamento de riscos nos arranjos de pagamento. Os arranjos são uma série de regras e procedimentos que possibilitam pagamentos, como as compras com cartões de crédito e débito, e incluem vários atores como as bandeiras de cartão e as credenciadoras. A consulta pública foi aberta no início de setembro e teve seu prazo prorrogado a pedido do mercado. A data final para envio de contribuições é o dia 30 de novembro. 

É possível que essa contratação [de CaaS] venha a ser regulada pela norma de ‘banking as a service’ (BaaS)”

— Fabio Rodarte 

Fernanda Garibaldi, diretora-executiva da Zetta, explica que a norma foi feita pensando no gerenciamento de riscos em caso de situações extremas, como inadimplência ou falência de algum participante. “[Foi] pensando em toda a gestão de riscos dentro da cadeia de pagamentos e sobretudo tentando garantir os artigos da lei dos meios de pagamentos e basicamente tentar assegurar que o usuário final recebedor da transação de pagamento receba esses recursos”, disse. 

Além desses assuntos, o BC também está trabalhando em uma modernização das normas cambiais desde o Marco Legal do Câmbio, que entrou em vigor no fim de 2022. A consulta pública da norma que simplifica as regras para investidores não residentes no mercado de capitais brasileiro foi promovida em conjunto com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e terminou em setembro. A previsão era que o texto fosse publicado em novembro. No entanto, a data ainda depende do desenvolvimento dos estudos e da coordenação entre a CVM e o BC. Além disso, novas conversas com o mercado poderiam ser necessárias, dada a complexidade dessas operações. 

O Banco Central também deve abrir uma consulta pública para tratar das operações interbancárias de câmbio ainda neste ano. O regulador tem o objetivo de melhorar a eficiência dessas operações. O texto deve propor, por exemplo, algumas mudanças nas regras de envio das informações das operações ao BC. 

O IFRS 9 também é mais um assunto antigo em andamento. O BC publicou a norma que altera os critérios contábeis aplicáveis a instrumentos financeiros e o reconhecimento das relações de hedge (proteção) em 2021. A regra define, por exemplo, que as provisões deverão ser feitas com base na perda esperada e altera as classificações de risco de crédito. A previsão era que, com a entrada em vigor em 1º de janeiro de 2025, as instituições teriam prazo para ajustar os processos. 

O objetivo é alinhar as regras às práticas internacionais. Everton Gonçalves, diretor de economia, regulação e produtos da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), relata que a mudança tem impacto significativo por apresentar desafios de sistema, operacionais e até de treinamento. “É um projeto que está bem pesado nessa virada de 2024 para 2025”, disse o executivo. 

Considerando todas essas mudanças, Leandro Vilain, sócio da Oliver Wyman na área de prática de serviços financeiros, vê uma agenda muito intensa e cita três fatores que colocam relevância ao tema: o maior nível de digitalização global, a agenda de inovação do BC, com Pix e open finance, e a mudança em regulações internacionais. 

Para Vilain, essas mudanças são naturais dado o cenário no setor financeiro em curso. “Era o ideal que acontecesse essas três coisas ao mesmo tempo? Talvez não seja o ideal, mas para o consumidor está sendo bom. Queiramos ou não, se para o cliente está sendo positivo, então temos que nos adaptar a isso”. (Colaboraram Mariana Ribeiro e Toni Sciarretta)