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03/12/2019

As ações do setor imobiliário continuarão a se valorizar?

Melhora macroeconômica precisa começar a se refletir no balanço das companhias

 

As ações das incorporadoras respondem de forma rápida à política monetária. Talvez seja o setor mais atrelado às condições macroeconômicas. Caso a Selic suba, as ações sofrem; caso caia, se valorizam. Os juros primários despencaram de 14,25% ao ano em outubro de 2016 para os atuais 5% ao ano. Logo, não é de se estranhar a valorização superior ao do Ibovespa de MRV (MRVE3), Even (EVEN3), Eztec (EZTC3) e Cyrela (CYRE3) nos últimos 12 meses.

A política monetária mais frouxa beneficia tanto o lado da oferta quanto da procura. As condições de financiamento das obras ficam mais atrativas, reduzindo as despesas financeiras e melhorando o retorno das incorporadoras. Por outro lado, o financiamento imobiliário para os compradores fica mais barato.

O interessante é que as ações responderam de imediato à política monetária, apesar de o desemprego e o nível de renda ainda não terem melhorado. Além disso, a melhora do cenário macroeconômico não se reflete imediatamente no balanço das incorporadoras devido ao complexo método contábil do segmento, conhecido como “percentage of completion” ou pela sigla PoC. A venda só é reconhecida como receita à medida que a obra se desenvolve.

Suponha que o projeto gerará vendas de R$ 100 ao longo de todo o ciclo - lançamento, construção e entrega. Após seis meses do lançamento, já temos 50% vendido (R$ 50). Entretanto, nenhuma receita é ainda reconhecida, pois a obra não se iniciou. Após 18 meses, a obra encontra-se em um estágio de 20% do orçamento original. Como naquele momento 80% do projeto já foi vendido, R$ 16 (20% x R$ 80) são reconhecidos como receita na demonstração de resultados, impactando o resultado da companhia. A diferença entre as vendas realizadas (R$ 80) e a receita reconhecida (R$ 16) de R$ 64 é informada pela companhia em uma nota explicativa chamada de receita a reconhecer. À medida que a construção avance, essa receita a reconhecer é contabilizada nas demonstrações de resultado.

Assim, pode se perceber que a venda de R$ 50 ocorrida nos primeiros seis meses após o lançamento somente começa a ser reconhecida contabilmente um ano após a venda. Logo, há uma defasagem entre a venda e a receita. Consequentemente, o lucro demora a aparecer no balanço.

 

Nos demais setores, em regra, a receita é contabilizada no mesmo momento da venda. Assim, venda e receita contábil são praticamente sinônimos. Isso não ocorre no setor imobiliário.

 

Desta forma, o múltiplo P/L (preço por lucro por ação) de uma empresa do setor imobiliário não pode ser comparado com o de outros segmentos, devido à defasagem temporal do reconhecimento da venda como receita.

Além dessa inconsistência na comparação intersetorial, o mesmo ocorre na análise intrasetorial. Companhias como MRV e Direcional, cujas operações são destinadas à baixa renda, apresentam um ciclo construtivo mais curto (em torno de 18 meses) do que o de empresas voltadas para a média e alta renda (entre 24 e 36 meses). Logo, as duas primeiras apresentam uma defasagem menor entre a venda e a receita contábil.

 

Tendo em vista essas dificuldades metodológicas, uma métrica muito usada pelos analistas é calcular o P/L tomando por base as vendas contratadas nos últimos 12 meses. Assim, tenta-se mostrar o lucro esperado com base nas vendas mais recentes. Mas essa métrica sofre críticas: não leva em conta possíveis distratos e toma por base a margem líquida atual, que pode não ser sustentável.

 

As ações do setor se apreciaram fortemente com base no afrouxamento da política monetária. O mercado não quis saber das peculiaridades contábeis. Contudo, para as ações do setor continuarem a se valorizar, será necessário a melhora do resultado operacional. Por isso, a partir de agora, a análise do balanço será muito importante. Acabou a fase de os papéis se valorizarem apenas com base nas expectativas.

 

 

 

 

 

 

 

FONTE: VALOR INVESTE