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26/12/2024

Após surpresa, crédito deve desacelerar em 2025 (Valor Econômico)

Expectativa é que bancos adotem postura mais cautelosa nas concessões de empréstimos

Por Mariana Ribeiro

 

O ritmo de crescimento da carteira de crédito surpreendeu em 2024, na esteira de uma economia mais forte que o inicialmente esperado. As previsões para o próximo ano, no entanto, indicam uma desaceleração, principalmente na carteira de pessoa física. Diante do aumento da Selic e de um cenário macroeconômico mais difícil, é esperado que bancos mantenham uma postura cautelosa na oferta, postergando uma retomada mais robusta do apetite em linhas de maior risco - movimento que vinha sendo ensaiado nos últimos trimestres.

 

Em sua previsão mais recente, divulgada no fim de dezembro, o Banco Central (BC) revisou para 9,6% a estimativa para o avanço do estoque de crédito em 2025, de 10,3% esperados antes. Para este ano, a projeção é de alta de 10,6%. De acordo com a autoridade monetária, a mudança refletiu principalmente “a diminuição do crescimento do saldo dos empréstimos com recursos livres a pessoas físicas”. O BC projeta crescimento de 10% da carteira livre para famílias no próximo ano, ante uma alta esperada de 11,5% em 2024. Para a pessoa jurídica (também com recursos livres), é projetado avanço de 9% tanto neste quanto no próximo ano.

 

“Os efeitos do aperto da política monetária devem se concentrar no próximo ano, afetando especialmente as operações de crédito livre”, diz o BC. O Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a Selic para 12,25% ao ano na reunião deste mês, e parte do mercado já estima que a taxa possa chegar a 15% em 2025. O cenário para o próximo ano também inclui fatores como pressões inflacionárias, desaceleração de ritmo de crescimento da economia, incertezas sobre a situação fiscal do país e quanto à evolução do nível do endividamento e da inadimplência.

 

Diretor de economia, regulação prudencial e riscos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg afirma que, em 2025, deve haver certa “acomodação” do ritmo de crescimento da carteira, com manutenção de uma postura de seletividade dos bancos e foco em linhas mais seguras. “Se o macro fosse diferente, poderíamos ter uma aceleração do crédito. Nas condições atuais, vemos mais uma manutenção de estratégia, uma decisão de não botar o pé no acelerador, mas também não é um cenário de ‘vamos parar tudo’”, avalia.

 

Em pesquisa da Febraban realizada em novembro, os bancos indicaram esperar que a carteira de crédito total cresça 10,5% em 2024 e 9,3% em 2025 - ligeiramente abaixo da previsão do BC. Considerando as operações com recursos livres, é projetada alta de 9,8% da carteira de pessoa física em 2025, ante uma projeção de 11,1% para 2024. Na pessoa jurídica, há expectativa de um avanço de 8,2% no próximo ano, ante 8,5% neste. Os números oficiais de 2024 serão divulgados no final de janeiro pelo BC.

 

Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), afirma que, embora a desaceleração do crédito “esteja dada”, a grande questão à frente é a intensidade desse movimento. Ele destaca que, como há muitas incertezas no ambiente macro, “ainda é cedo para fazer qualquer aposta, tanto pessimista quanto otimista”.

 

“A desaceleração do crédito vai ocorrer. O próprio orçamento do governo está mostrando que a capacidade do gasto público está diminuindo, então o impulso fiscal no ano que vem vai ser menor. Além disso, há um cenário de inflação subindo na margem, juros altos e dólar forte. É impossível que tudo isso não afete o consumo”, diz o economista da Acrefi. “Não acredito que o cenário de estresse recente do mercado vai se manter por muito tempo, mas ainda é cedo para fazer apostas sobre o ano.”

 

No Relatório Trimestral de Inflação, o BC destaca ainda que as condições mais “restritivas do financiamento imobiliário e o crédito rural mais contido” devem afetar as operações com recursos direcionados, tanto para pessoas físicas quanto para jurídicas. A autoridade monetária projeta crescimento de 12% da carteira de recursos direcionados (que os bancos têm de direcionar para modalidades específicas, como imobiliário e agro) para pessoa física neste ano, com recuo para 10% no ano que vem. No caso das pessoas jurídicas, o BC revisou a previsão para este ano de 12% para 8,5%. Em 2025, a expectativa é de alta de 9%.

 

“Em 2024, vimos volumes de concessão bastante elevados, bem acima de 2023. As carteiras cresceram, e com qualidade”, diz Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria. “Para o ano que vem, no entanto, todos os fatores positivos mudaram de direção. Deve haver piora no comprometimento de renda das famílias e inflação pesando nos orçamentos.”

 

Ela explica que a desaceleração do saldo de crédito deve ocorrer gradualmente ao longo do ano, conforme os efeitos do aperto monetário forem se intensificando. “O segundo semestre deve ser pior que o primeiro. O cenário é de desaceleração tanto do estoque quanto das concessões”, diz. A Tendências projeta aumento de 8,7% do saldo de crédito em 2025, com desaceleração mais intensa da oferta às famílias, tanto no crédito livre quanto no direcionado. Nas concessões, a consultoria espera um avanço real (descontada a inflação) de 10,6% neste ano e de apenas 0,8% em 2025.

 

A inadimplência, que vinha caindo desde o fim de 2023, começou a mostrar sinais de estabilização e, em alguns segmentos, como de pequenas e médias empresas (PME) voltou a subir levemente, o que acende um sinal de alerta. Bancos vinham mostrando um aumento do apetite no segmento e esse movimento pode ficar comprometido diante da piora das condições. Dados do BC mostram que o indicador de atrasos em micro, pequenas e médias empresas estava em 4,47% em outubro, ante 4,05% um ano antes.

Katherine Hennings, pesquisadora associada do FGV Ibre, destaca ainda que, neste ano, o mercado de capitais esteve bastante ativo e representou uma fonte importante de acesso a recursos para as grandes empresas. Os pequenos e médios negócios, mais dependentes do crédito bancário, devem ser mais afetados pela mudança no cenário econômico. “As pequenas e médias empresas são as que sofrem mais e são as que pagam taxas de juros mais próximas das observadas na pessoa física”, afirma.

 

Hennings, que atuou por 25 anos no BC, destaca que, embora o mercado de trabalho siga aquecido, é possível que esteja perto de um ponto de inflexão. A taxa de crescimento real da renda estacionou e é preciso observar o comportamento da inadimplência à frente, acrescenta. “Não vejo expectativa de a inadimplência cair mais.” 

FONTE: VALOR ECONôMICO