Notícias

11/12/2025

Aluguel consignado ganha força na Câmara após década de discussões – Folha de São Paulo

Modelo permite desconto do valor da locação direto na folha de pagamento do trabalhador Objetivo é reduzir risco e facilitar acesso à moradia formal

O projeto de lei que cria o aluguel consignado foi aprovado nesta terça-feira (9) pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados. O tema estava em discussão por mais de uma década.

O modelo permite que o valor da locação seja descontado diretamente da folha de pagamento do trabalhador, de maneira similar ao que já ocorre com o crédito consignado. O objetivo é levar esse mecanismo, que possui um histórico de baixa inadimplência, ao mercado de moradia.

Pelo texto, servidores públicos e trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas poderão autorizar a consignação de até 25% do salário líquido para o pagamento de aluguel e encargos, respeitando o limite de 50% para todos os empréstimos consignados feitos. O desconto só poderá ser suspenso mediante apresentação da rescisão do contrato de locação.

A medida chega em um momento em que o país vive um ciclo de expansão imobiliária. Para Marco Sabino, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados, parte relevante dos imóveis entregues nos últimos anos foi comprada para renda, com expectativa de colocação rápida no mercado. Essa combinação criou pressão por instrumentos que aumentem a segurança jurídica e ampliem o acesso das pessoas a contratos formais de locações.

A própria legislação do setor vem sendo alterada ao longo do tempo, acompanhando movimentos econômicos e a profissionalização do mercado. Hoje, a Lei do Inquilinato lista um rol fechado de garantias, como fiador, caução e seguro-fiança, algo considerado ultrapassado por especialistas.

"É uma lei antiga e engessada nessa parte das garantias", diz Daniel Cardoso Gomes, socio do Amatuzzi Advogados.

A inclusão do desconto em folha, diz o advogado, expande esse conjunto e reduz dependência de modelos problemáticos, como o fiador pessoa física. Segundo ele, decisões judiciais que afastaram a penhora do bem de família do fiador criaram insegurança e diminuíram a disposição dos proprietários em aceitar esse tipo de garantia. "Com uma nova modalidade expressa em lei, você abre porta para quem não conseguia formalizar contrato."

O QUE ACONTECE SE O TRABALHADOR PERDER O EMPREGO

Um dos pontos sensíveis do projeto de lei é a continuidade da garantia em caso de demissão.

"Sem vínculo empregatício, o aluguel não pode ser descontado. Isso pode gerar retomada do imóvel, porque o contrato não pode ficar sem garantia", afirma Gomes.

"O projeto de lei traz expressamente que em caso de demissão do locatário, ele poderá devolver o imóvel sem o pagamento de eventual multa por devolução antecipada", afirma Arthur Thomazi, sócio do C2T Adv.

Para o trabalhador já desempregado, nada muda: ele continuará dependente de outras modalidades de garantia atualmente disponíveis.

DEBATE SOBRE MÚLTIPLAS GARANTIAS

Nos bastidores, discute-se se o texto poderá suprimir o parágrafo único do artigo 37 da Lei do Inquilinato, que hoje proíbe a contratação de mais de uma garantia no mesmo contrato. A mudança teria efeitos distintos para locações residenciais e comerciais.

"Para grandes operações, como locações corporativas e built-to-suit, permitir duas garantias seria muito positivo, porque os valores são altos e uma garantia só não cobre o risco", diz Gomes. "Mas, se isso for liberado sem ressalva para contratos residenciais, abre margem para abuso. A ideia é ampliar acesso, não criar obstáculos."

O advogado afirma ainda não haver clareza se a vedação será de fato retirada, mas diz que a eventual revisão interessa ao setor há anos.

O texto segue para análise conclusiva nas demais comissões da Câmara, sem necessidade de votação em plenário, a menos que haja recurso. Depois disso, vai ao Senado, onde ainda não há sinalização de mudanças. O governo não formalizou posição.

Segundo o presidente da ABMI (Associação Brasileira do Mercado Imobiliário), Alfredo Freitas, estudos indicam que o aluguel consignado pode beneficiar até 20 milhões de brasileiros, especialmente aqueles com baixo escore de crédito, com uma economia estimada de R$ 4,5 bilhões ao ano e redução média de 4% no custo do aluguel.

UMA DÉCADA DE IDAS E VINDAS NO CONGRESSO

Antes de ser aprovado pela CCJ da Câmara, o PL 462/2011 passou mais de dez anos parado e retomado várias vezes no Congresso. O projeto foi apresentado em 2011 pelos deputados Julio Lopes (PP-RJ) e Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG) e, naquele mesmo ano, seguiu para análise da Comissão de Trabalho e da própria CCJ.

Na Comissão de Trabalho, o texto andou em 2015: recebeu um parecer favorável, foi aprovado em reunião e já incorporava outras propostas semelhantes. Nessa época, Julio Lopes — que hoje preside a Frente Parlamentar Mista de Serviços - participou de articulações sobre o tema, incluindo um almoço promovido pela ABMI em Brasília.

Mesmo depois desse avanço, o projeto continuou seguindo o trâmite normal e teve prazos reabertos para novas sugestões em 2014, 2015 e novamente em 2023.

O tema só ganhou força de novo em 2025, quando entrou na Agenda Positiva entregue pela ABMI a parlamentares em agosto. Em outubro, o relator na CCJ, deputado José Medeiros (PL-MT), deu parecer favorável ao texto, destacando que ele cumpria as regras constitucionais e de técnica legislativa.

FONTE: FOLHA DE SãO PAULO