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26/01/2023

“Houve um avanço muito forte da construção civil”, diz presidente do Cemec/Fipe

Ciclo longo da Construção Civil

Por Fabio Pahim Jr.

 

“Houve um avanço muito forte da construção civil” – avanço esse que continua mesmo com a alta dos juros –, afirma o presidente do Centro de Estudos de Mercados de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (Cemec/Fipe), Carlos Antonio Rocca. Especialista em finanças, Rocca foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, dirigiu grandes empresas e hoje acompanha de perto a evolução da economia brasileira, as centenas de companhias de capital aberto que divulgam regularmente seus dados ao público e a poupança das empresas e das famílias. É o responsável pelas notas mensais da Cemec, seguidas de perto pelo universo empresarial e pela imprensa.

A economia brasileira oscilou muito no período mais agudo da pandemia. Ao choque inicial de 2020 sucedeu-se a retomada do crescimento econômico no biênio 2021/2022, com destaque para o papel das empresas. Rocca separa o momento em que o enfrentamento da pandemia trouxe juros muito baixos e maior demanda de crédito da situação atual, em que a inflação subiu, obrigando o Banco Central a elevar os juros para 13,75% ao ano e onerando os empréstimos.

No geral, as companhias abertas se adaptaram rapidamente ao sobe-e-desce da economia. “O melhor indicador de saúde das empresas é o índice de inadimplência medido pelo Banco Central, que chegou a 1,2% em 2020, com a negociação de dívidas de quase R$ 1 trilhão”, nota o especialista. É um índice muito baixo, que revela a boa saúde das companhias num período delicado. Os últimos dados, de agosto de 2022, mostram um nível de inadimplência de 1,52%, que Rocca continua vendo como muito satisfatório. Ao mesmo tempo, a relação entre a dívida líquida e a geração de caixa (Ebitda), da ordem de 1,5, revela queda substancial em relação a momentos anteriores.

A situação é menos confortável para as pequenas e médias companhias, mas as grandes, com faturamento anual superior a R$ 300 milhões, com amplo acesso a financiamento, podem se capitalizar no mercado e tomar recursos externos. Agora, com a alta de juros, empresas médias precisarão tomar mais recursos no mercado de capitais, prevê Rocca. Um fator relevante no auge da pandemia foi o acesso a empréstimos de custo baixo. Outro ponto foi o aumento das margens brutas propiciado pelo juro reduzido, salários contidos e câmbio favorável. O aumento dos preços externos decorrente dos efeitos da guerra da Rússia contra a Ucrânia ajudou muitas empresas brasileiras. “Neste momento, os índices financeiros das companhias ainda são razoáveis, embora se preveja uma acomodação de margens e queda da demanda global".

Segundo a nota Cemec de julho, “os principais indicadores da situação financeira das empresas abertas no ano terminado no segundo trimestre de 2022 são favoráveis e até melhores do que no período pré-pandemia, não obstante tenham enfrentado desde 2020 um cenário especialmente desafiador para sua gestão financeira”.

Observou-se, nos últimos dois anos, aumento do coeficiente de geração de caixa em relação às vendas, como resultado do aumento das margens brutas. Do lado financeiro, as empresas promoveram forte acumulação de caixa em relação às vendas, atingindo em 2020 níveis muito superiores à média histórica, evolução favorecida pelo aumento de liquidez e redução de taxas de juros promovidas pelo Banco Central para mitigar os efeitos da crise, além do aumento das emissões primarias de ações. “O uso desse excedente de caixa permitiu reduzir, nos períodos seguintes, a necessidade de novas operações de dívida, com taxas de juros mais elevadas”, segundo a nota. Verifica-se também grande agilidade das empresas no ajustamento da composição de sua captação liquida de financiamentos por fontes de recursos obtidos no mercado de dívida corporativa, crédito bancário e recursos externos.

No longo prazo, a saída brasileira é aumentar as taxas de crescimento da economia pela via da qualificação das pessoas, “investindo em capital fixo e aumentando a produtividade”, afirma Rocca. Para isso é preciso promover as reformas administrativa e tributária (hoje há 27 legislações de ICMS) e fortalecer a concorrência. “O Brasil tem de se integrar à economia mundial, mudança que exige enfrentar os desafios políticos”.

Construção civil

O setor de construção civil vem-se saindo bem nos últimos anos. Dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) revelam que o número de unidades produzidas em 12 meses saiu de 229,7 mil em setembro de 2020 para 328,4 mil em março de 2022. Em setembro, registrou 305 mil, um recuo pequeno “que pode ser atribuído à alta recente da taxa de juros”. Houve, reconhece Rocca, “perda de velocidade, mas o nível histórico é muito confortável”. Para comparar, em setembro de 2017 a produção em 12 meses era de 127 mil imóveis e em setembro de 2018, de 168,7 mil unidades.

A demanda por imóveis também é forte. Em 2019, o escoamento do estoque era variável entre 15 e 16 meses e nos primeiros três trimestres de 2022 está em 10,3. “Há, de fato, uma dependência das taxas de juros de longo prazo e o custo dos insumos também subiu”. Mas, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o custo dos insumos já está arrefecendo e o que mais se teme é o custo financeiro. Um fator positivo é a perspectiva de retomada do programa social Minha Casa Minha Vida, “que pode ajudar a estimular a incorporação”.

Formação de capital

Rocca também constata um aumento da taxa de investimento (Formação Bruta de Capital Fixo), que evoluiu “em patamar significativo”. O investimento é comandado pela construção civil e pela aquisição de máquinas, em especial, agrícolas, “acompanhando o ciclo favorável de commodities”.

A formação de capital é propiciada pela poupança das empresas, que vem do aumento dos lucros retidos. Incluindo Petrobrás e Vale, o pay-out (valor distribuído) atingiu 62%, “o que é um porcentual elevado, enquanto 37% a 38% do lucro foi retido para investir”.

A vitalidade das companhias é crucial num momento em que o Brasil terá de reorganizar sua economia. Com a chegada de um novo governo, o desafio é fazer uma política econômica que privilegie a queda da inflação, permitindo a diminuição do juro básico, o que se prevê para o médio prazo. Mas a queda do juro, até há pouco prevista para o terceiro trimestre de 2023, pode ser ameaçada pela política fiscal. “Essa é uma questão com que o País convive há muitos anos, mas ganha importância quando as perspectivas globais são pouco favoráveis para 2023”, nota Rocca.

As pessoas físicas têm ajudado a estimular a economia, aumentando o consumo pessoal. A relação entre poupança e consumo é sempre investigada pelos economistas.

A acumulação de poupança financeira das famílias desde o início de 2020, movimento observado no Brasil e em todo o mundo, tem sido explicada por “fatores circunstanciais e precaucionais associados à pandemia da covid-19”. Dada a magnitude da poupança acumulada, representando cerca de 10% do consumo anual, o controle da pandemia e a superação das restrições de convívio social que reduziram fortemente o consumo de bens e serviços tem gerado a expectativa de que, em algum momento, as famílias fizessem uso de parcela da poupança acumulada para reforçar o consumo e até para realizar compras que teriam sido adiadas. A Cemec busca verificar em que medida movimentos da poupança financeira tem influenciado o nível de consumo nos últimos dois anos. Mas o aumento do consumo tem muito a ver com a maior oferta de emprego, que dá segurança às famílias. Emprego, lembra Rocca, significa confiança.

Os dados mostram que, apesar alguma queda do saldo de poupança financeira acumulada no primeiro trimestre de 2022, daí por diante a e até agosto observa-se uma retomada do seu crescimento, tendo atingido R$ 560 bilhões, valor R$ 31 bilhões mais alto do que o observado em dezembro de 2021, de R$ 529 bilhões. No nível agregado, não há, portanto, indicações da ocorrência de saques do saldo de ativos financeiros para reforçar o consumo em 2022.

A nota de setembro da Cemec, como dados até agosto, trata da queda da atratividade dos depósitos de poupança, dada a comparação com outros ativos corrigidos pela Selic. Até junho, segundo a nota, os pequenos investidores continuavam a ampliar seus recursos em cadernetas, o que deixou de ocorrer nos últimos meses. A hipótese formulada pela Cemec é de que tenham sido mobilizados os recursos disponíveis para complementar o orçamento familiar, pressionado pela inflação de itens básicos ou mesmo para viabilizar a renegociação de dívidas. 

FONTE: ABECIP