A confirmação na sexta-feira de que a poupança nova rendeu menos do que a inflação oficial em 2013, que ficou em 5,91%, torna difícil de entender a notícia do recorde de captação da caderneta no ano passado, que amealhou R$ 71 bilhões dos brasileiros, acumulando um saldo de R$ 598 bilhões, a despeito do movimento de alta da Selic desde abril.
Para encontrar respostas para essa aparente contradição, o Valor levantou dados, ouviu especialistas em gestão de patrimônio e executivos de bancos, além de ter coletado relatos dos principais atores nesse processo, que são os próprios investidores que escreveram para a redação sobre esse tema nos últimos meses.
Entre os argumentos citados aparecem tanto a segurança, simplicidade e liquidez da poupança, como também desconhecimento sobre alternativas, apego, inércia, medo, orientação errada do gerente, período de mudança cultural e, até mesmo, decisões totalmente racionais.
Afinal, para clientes com poucos recursos para investir, foi praticamente impossível bater a rentabilidade líquida de 5,82% da poupança em 2013, usando as aplicações oferecidas em grandes bancos de varejo.
Dados do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) sugerem que, no caso do pequeno aplicador, há uma certa indução para a caderneta por falta de opções competitivas. Já que, se fosse apenas uma questão de apego, esse não seria tão diferente conforme o valor disponível para se investir.
Sem considerar os fundos de investimentos, os números apontam que, na faixa de aplicação de R$ 5 mil a R$ 50 mil, que reunia um total de R$ 228 bilhões em junho (último dado disponível com esse corte), a poupança concentrava 80,7% dos depósitos, com os CDBs respondendo por 18,8% e as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e Letras de Crédito Agrícola (LCAs), que são isentas de Imposto de Renda para pessoa físicas e costumam ter retorno maior, por apenas 0,6%.
Já para quem tem mais recursos, com investimentos entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão, o bolo de R$ 331 bilhões era melhor dividido, com a poupança e os CDBs praticamente empatando com 45% da carteira do investidor cada um, e as letras ficando com 10%.
Mas será que o investidor considerado de varejo, com menos de R$ 100 mil disponíveis, tem realmente opções para abrir mão da aplicação mais conservadora e popular do Brasil?
A Caixa Econômica Federal, por exemplo, não enxerga opções de investimento alternativo à poupança para uma faixa de aplicação abaixo de R$ 30 mil. "O cliente não tem outra opção de rentabilidade com a liquidez da poupança", diz a superintendente nacional de estratégia pessoa física da Caixa, Lore Margarete Manica Ribeiro.
Acima desse valor, Lore cita a possibilidade de o pequeno aplicador investir em LCI. O único porém, assinala, diz respeito à menor liquidez do produto na comparação com a poupança. Já o investimento em fundos, avalia ela, ainda exige um perfil diferenciado do aplicador, com conhecimento mínimo de mercado financeiro.
O Itaú Unibanco tem um discurso diferente. Segundo o diretor de produtos de investimentos do banco, Claudio Sanches, para investimentos conservadores, um valor acima de R$ 5 mil já pode garantir acesso a fundos ou CDBs, que remuneram mais que a caderneta. "Mas até R$ 5 mil, a recomendação claramente é a poupança."
No Bradesco, o diretor-executivo Octavio de Lazari Junior diz que, para quem tem tempo e condição de controlar as aplicações, a primeira alternativa ao pequeno investidor está no CDB, principalmente se for uma aplicação de mais de dois anos, em que recai uma alíquota menor de imposto. Lazari diz considerar essa uma boa alternativa, principalmente com a Selic nos patamares atuais. Em segundo lugar aparecem os fundos de investimento de renda fixa atrelados à Selic e, apenas em terceiro, a poupança.
De acordo com Lazari, o movimento de migração de outras aplicações para a poupança foi pequeno no Bradesco em 2013. "Exagerando, de 10% a 15% podem ter migrado." O que foi significativo, segundo ele, foi o aumento da captação das cadernetas de pequeno valor, de até R$ 2 mil, e uma alta em torno de 10% de contas abertas.
Na mesma linha, Carlos Takahashi, presidente da BB DTVM, dita o crescimento dos depósitos em poupança como uma consequência da bancarização do país, em que o número de cadernetas abertas subiu de 77 milhões em dezembro de 2006 para 112 milhões em junho de 2013. "Quando a pessoa consegue poupar o primeiro centavo, e começa a guardar dinheiro, o primeiro movimento é o de colocar os recursos na poupança", afirma Takahashi, que acredita que o passo seguinte desse investidor será olhar para a indústria de fundos.
Isso, é claro, se depois de superar o limite financeiro ele conseguir também transpor a barreira psicológica.
Afinal, a poupança vem ganhando espaço mesmo entre os clientes que têm mais recursos para investir e que, em tese, teriam fundos competitivos e LCIs e LCAs para investir. Na faixa entre R$ 100 mil e R$ 1 milhão, por exemplo, a participação da caderneta subiu de 36,6% para 45,7% entre 2006 e 2013. Para aqueles que tem mais do que isso, de 3% para 7,4% do total.
"As experiências que os investidores tinham com alguns tipos de ativos de risco, mesmo aqueles que deveriam ser mais tranquilos, não foram tão tranquilas assim. E isso aguçou a aversão à perda que as pessoas têm", afirma Aquiles Mosca, estrategista de investimentos pessoais e superintendente-executivo comercial do Santander Asset Management, ao se referir ao mau desempenho da renda fixa nos últimos meses, com marcação a mercado de títulos e retornos até negativos, e à trajetória desfavorável da bolsa.
Segundo Mosca, os estudos mais recentes de neuroeconomia, área de conhecimento que estuda como o cérebro processa informações e toma decisões, mostram que a região que lida com uma perda financeira é a mesma que lida com a fome. Com isso, a pessoa vê a perda financeira como uma ameaça à sobrevivência, o que faz com que execute saques e caminhe em direção a algo tido como seguro. E quem ganha com essa história é justamente a poupança.
Mosca enxerga a procura pela poupança como um mix de instinto e racionalidade. E o movimento não é exclusividade do Brasil, afirma o estrategista, lembrando a corrida para os pouco rentáveis títulos americanos no auge da crise financeira.
Ainda que espere que o comportamento persista no curtíssimo prazo, Mosca diz acreditar que o grande movimento de migração de recursos já passou e destaca que os fundos de investimentos também já se adaptaram ao novo cenário, com ativos menos prefixados e prazos mais curtos.
Olhando para a frente, o estrategista do Santander acredita que o investidor tem que ser um pouco mais proativo. "O pessoal tem que sair um pouco do comodismo, sair da inércia e estar consciente de que a poupança está simplesmente cobrindo a inflação", afirma Mosca.
O sócio da gestora de patrimônio Taler Paulo Colaferro tem uma resposta na mesma linha. "Para qualquer aposta que se faz é preciso entender o mínimo de macroeconomia. À medida que a taxa de juros ficar menor, que os mercados estiverem mais voláteis, será preciso entender muito ou comprometer o dinheiro com prazo mais longo", diz. "O fato é que ficamos mal acostumados com as altas taxas de juros."
Sanches, do Itaú, espera uma desaceleração do ritmo de ingresso de recursos na caderneta em 2014. "A nossa perspectiva, com a alta da taxa Selic, é que a captação volte para níveis mais baixos, mas têm também uma inércia muito grande", diz o diretor da instituição.
Takahashi, da BB DTVM, avalia que o investidor já mostra um comportamento mais maduro em suas aplicações de longo prazo, com vistas à aposentadoria. "No fim das contas, terminamos o ano com crescimento de 24% nos fundos de previdência aberta e com alta de 17,5% da poupança", destacou o executivo.
essas aplicações tendem a ganhar mais espaço no momento em que a Bolsa de Valores não apresenta bons resultados.