Felipe Marques, Fabiana Lopes, Aline Oyamada, Eduardo Laguna, Lucinda Pinto e Vinícius Pinheiro
As medidas de estímulo ao crédito anunciadas ontem pelo Banco Central (BC) e o Ministério da Fazenda deverão ter efeito limitado na expansão dos empréstimos e, consequentemente, na atividade econômica, na opinião de analistas e executivos de bancos. Os principais efeitos devem se concentrar no médio prazo, embora associações ligadas à indústria automobilística contem com um aumento da oferta de crédito de veículos já no momento em que as ações forem oficialmente publicadas.
Entre os economistas, a avaliação geral é que o impacto dos estímulos tende a ser abreviado pela demanda fraca por crédito, que segue deprimida graças ao cenário econômico incerto.
"São medidas de estímulo? Em tese, sim. São relevantes para aquecer o crédito? Não", afirmou Carlos Kawall, economista-chefe do Banco J. Safra, lembrando que o problema do crescimento fraco dos empréstimos não é a falta de liquidez dos bancos, mas sim a procura reduzida.
Kawall diz que, por isso, as medidas não podem ser lidas como uma ação de política monetária, nem mesmo como sinais a respeito dos próximos passos do Banco Central. "Embora haja uma intersecção entre macroprudenciais e política monetária, o BC fez questão de esclarecer que o anúncio não é um sinal de que o juro pode cair nem mesmo uma substituição a uma eventual redução", afirma. "Não há qualquer confronto com a política monetária", completou.
"Não há janela para que o crédito aumente de forma repentina. Os bancos grandes acabam de sair de um período de ajuste de balanço e acredito que a disposição para afrouxar a aprovação de crédito é baixa", diz a economista da Tendências Consultoria Integrada, Mariana Oliveira. Ela não vai mudar sua projeção de avanço do crédito para o ano, que fica em 11,2%.
A Tendências espera que a taxa de calotes na pessoa física com recursos livres encerre o ano que vem em 7,4%, ante os 6,5% atuais, outro fator que mina o avanço do crédito no período. "As medidas têm potencial de médio prazo."
Entre os bancos, a expectativa também é colher efeitos no médio prazo. Domingos Abreu, diretor vice-presidente do Bradesco, espera o impacto dos anúncios seja sentido entre um e dois anos. O executivo afirmou, em evento em São Paulo, que a demanda por financiamentos já melhorou nos meses de julho e agosto.
Outro executivo do Bradesco, Octávio Lazari Junior, acredita que as medidas anunciadas pela Fazenda para o crédito imobiliário tendem a agilizar a concessão do financiamento. Nas suas contas, as medidas reduzem em até 20% o prazo de liberação do dinheiro. Lazari também preside a associação de crédito imobiliário (Abecip). Hoje o prazo é entre 20 e 45 dias para processos sem pendências.
"Todo esse arcabouço [das medidas] nós vemos com muito bons olhos. Não é que no curtíssimo prazo vá resolver o problema da confiança e da retomada do crédito, mas traz para os próximos meses e para 2015 uma perspectiva mais favorável", disse o diretor de relações com investidores do Daycoval, Ricardo Gelbaum.
Há quem tenha a expectativa de efeitos mais imediatos, em especial no financiamento de veículos. Caso da Fenabrave, federação que reúne as concessionárias de veículos. A entidade estima um aumento de 20% nas aprovações mensais de crédito de veículos, que hoje rondam a casa dos 150 mil contratos por mês, tão logo as novas medidas sejam implementadas.
"Por mês, são 30 mil carros a mais que podem entrar no mercado. Seria como ter um décimo terceiro mês em um ano", diz o presidente da associação das revendas, Flavio Meneghettii. Para ele, as mudanças para acelerar recuperação dos veículos de inadimplentes - estimulando o apetite dos bancos pelo crédito automotivo ao reduzir o risco e o custo dessa operação - terá efeito no mercado tão forte quanto as reduções nas alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
O otimismo da associação, porém, é posto em xeque pela avaliação de que, mesmo no crédito de veículos, a demanda segue em baixa. "Não parece haver restrição no financiamento do lado dos passivos", afirma Tony Volpon, diretor executivo e chefe de pesquisas da Nomura Securities.
Para ele, ainda que a liquidez do sistema seja farta, em um cenário econômico incerto e pautado pelas expectativas com as eleições, empresas e bancos não devem, em sua opinião, se sentir confiantes para usar os recursos que têm à disposição antes da escolha de um novo governante.
Já economistas do Deutsche Bank afirmam que as medidas dão continuidade à estratégia do BC de afrouxar condições monetárias sem reduzir a taxa básica de juros, para tentar lidar com baixo crescimento econômico em um ambiente de inflação alta.
Para a agência de classificação de risco Fitch Ratings, são os bancos públicos que devem mostrar um crescimento mais forte de suas carteiras de crédito após as medidas. Nesse caso, porém, o maior crescimento não necessariamente viria pelo o efeito da expansão da liquidez, e sim "como parte da agenda de política econômica geral", escreve a agência.
Já em relação aos bancos privados, a agência afirma que o BC enfrentará o obstáculo da baixa disposição em emprestar dessas instituições, que não têm relaxado seu rigor de conceder o crédito, mantendo o crescimento de suas carteiras em patamares baixos.
Outra provável beneficiada com as medidas é a Cetip. A razão é o anúncio da criação de um novo instrumento de captação bancária, a letra imobiliária garantida (LIG), a versão brasileira do muito aguardado "covered bond" internacional. A Cetip aguarda a publicação das normas, mas pretende se habilitar para efetuar o registro tanto dos papéis como das garantias - aumentando as fontes de receita da companhia.
O diretor-executivo comercial da Cetip, Carlos Ratto, afirma que existe um mercado potencial para o novo instrumento, que deve servir como lastro para operações de crédito imobiliário e atrair investidores estrangeiros.