Aline Bronzati
O atual patamar dos juros básicos no País e a falta de confiança do brasileiro para trocar ou adquirir um imóvel devem empurrar para 2016 as primeiras emissões de Letra Imobiliária Garantida (LIG), instrumento de captação bancária que se assemelha aos covered bonds europeus. O papel tende a contribuir para ampliar o funding do mercado de crédito imobiliário, mas, segundo executivos que participaram de evento sobre o tema, não será a resolução do setor, que ainda é mais dependente dos depósitos da poupança.
O potencial de emissões de LIGs é bilionário, mas para o médio e longo prazos, na visão de especialistas, tendo como base outro papel que visa atrair funding para o segmento, a letra de crédito imobiliária (LCI), e ainda o desempenho do mercado europeu. De janeiro a março, o volume de negócios dos covered bonds foi de cerca de US$ 40 bilhões e 150 negócios, segundo dados da Dealogic.
No Brasil, porém, para decolar as letras precisam ser regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e vencer algumas barreiras. A expectativa do mercado é de que o arcabouço regulatório estivesse completo no primeiro semestre, entretanto, de acordo com o presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), Octavio de Lazari Júnior, deve ser divulgado até setembro próximo.
O atraso tem como pano de fundo não só o cenário desestimulador, de juros altos, mas ainda a dificuldade de alguns detalhes da norma. Júlio Carneiro, chefe adjunto do Denor (Departamento de Normas) do Banco Central, explicou, em evento da Abecip sobre LIGs, que a regulamentação das letras além de complexa tem amplitude e caráter inovador. "Não queremos um produto para agora, mas para o médio e longo prazo. Queremos uma alternativa de funding para o crédito imobiliário", disse ele.
Segundo Carneiro, dentre os principais detalhes que são alvo de debate no regulador estão a regulamentação do agente fiduciário e o casamento do fluxo de recursos da carteira de ativos com a LIG. Há ainda questões como a definição da porcentagem dos ativos imobiliários que servirão de lastro para os papéis, que segundo a lei são de 50%, mas pode ser elevada, de acordo com ele, e também a fatia de ativos da instituição financeira que poderá ser considerada na carteira que servirá de lastro para o instrumento.
Não bastasse a complexidade regulatória, pesa ainda, conforme executivos do setor, a falta de apetite por papéis como a LIG no cenário atual, no qual os juros elevados encarecem o custo de captação dos bancos. Neste contexto, ainda que a poupança atravesse um período de estrangulamento de recursos, nas palavras do presidente da Abecip, e o mercado careça de alternativas, não há atratividade para testar emissões.
"A conjuntura econômica é complicada, mas não se deve esperar um tempo de bonança para agir. O pano de fundo é de crise e oportunidade. A LIG vem em boa hora, mas acho difícil conseguirmos testar emissões neste ano", avaliou o presidente da Abecip.
Para o diretor de tesouraria do Bradesco, Paulo Eduardo Waack, é preciso ter o instrumento para quando houver lastro suficiente, o que não acontece hoje com a desaceleração e até queda dos desembolsos no crédito imobiliário. Ainda assim, ele considera a LIG um instrumento imprescindível, mas que por si só não resolve o problema do crédito imobiliário. "Os ajustes vão gerar a volta da confiança que vão impulsionar o crédito imobiliário", explicou Waack, lembrando da necessidade de existir lastro para captar com LIGS.
De janeiro a abril, os saques da poupança foram de cerca de R$ 29 bilhões e a Abecip espera, conforme antecipado pelo Broadcast, que o montante chegue a R$ 50 bilhões neste ano. Como consequência, o volume de desembolso de crédito imobiliário recuou 4,6% no primeiro trimestre, segundo dados da Associação. Não bastasse isso, fez ainda a Abecip revisar suas projeções. De acordo com Lazari, na melhor das hipóteses o segmento vai ficar no zero a zero e no pior ter queda de cerca de 10%, para R$ 100 bilhões ante R$ 112 bilhões do ano passado.
A desaceleração do crédito imobiliário é natural em um cenário de ajustes, de acordo com o consultor da vice-presidência de Habitação da Caixa Econômica Federal, Fernando Magesty. "O momento é de ajustes, mas não vejo estragos maiores no crédito imobiliário. A desaceleração é natural, mas a maioria dos distratos ocorreu por fatores especulativos da venda de imóveis", explicou ele.
Como forma de tentar amenizar o impacto, o segmento enviou propostas de estímulo ao mercado imobiliário. Carneiro, do Banco Central, disse que o órgão as recebeu e que estão em estudo embora sejam contrárias à política monetária restritiva de controle à inflação. "O BC está monitorando e não vê quadro negativo no mercado de crédito imobiliário", avaliou ele, ao ser questionado pela plateia sobre o andamento da análise das medidas propostas como a liberação de parte do compulsório e dos recursos do FGTS a todos os bancos.
Para ser atrativo ao investidor institucional, as LIGs, de acordo com o presidente do fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ), Gueitiro Matsuo Genso, deveriam ser indexadas a um índice de inflação que casa mais com as necessidades atuariais das fundações. "O Brasil não está maduro para ter papel de dez, 15 anos sem estar indexado à inflação", acrescentou Luiz Fernando Figueiredo, CEO da Mauá Investimentos.