ABECIP na mídia

07/02/2017

Concorrência deve limitar nova letra imobiliária  

A poupança, grande fonte de recursos para o financiamento habitacional, tem R$ 515,9 bilhões.

Grande aposta do setor bancário para evitar o risco de escassez de recursos para o financiamento imobiliário, a letra imobiliária garantida (LIG) deve demorar a ganhar tração. A avaliação é que o avanço desse novo título de captação bancária vai esbarrar nas taxas de juros ainda elevadas e na concorrência com outros produtos de captação com características similares e até mesmo com os títulos públicos.

Quando (e se) a LIG engrenar, porém, seu potencial é relevante. Os cinco grandes bancos de varejo do país teriam hoje espaço para emitir algo em torno de R$ 280 bilhões em letras garantidas, considerando o tamanho atual de suas carteiras de financiamento habitacional e os limites definidos pelo Banco Central. A poupança, grande fonte de recursos para o financiamento habitacional, tem R$ 515,9 bilhões.

A grande diferença da LIG para os demais títulos de captação bancária é que ela vai contar com uma garantia além da oferecida pela instituição financeira: um portfólio de crédito imobiliário suficiente para cobrir todo o valor da emissão. Ou seja, caso o banco tenha problemas, os investidores da LIG ficam com a carteira como pagamento. Graças a essa segurança adicional, as taxas de captação tendem a ser menores. No mercado europeu, os "covered bonds", como é chamado, movimentaram cerca de € 2,6 trilhões em 2016.

O Banco Central (BC) colocou em consulta pública na semana passada a regulamentação do instrumento - criado em uma lei de 2015. As sugestões do mercado serão recebidas até abril. O BC espera editar a norma que regulamenta a LIG até o fim do semestre, mas a expectativa do mercado é que as primeiras emissões ocorram apenas em 2018.

Nessa primeira versão, o BC estabeleceu um limite de emissão da LIG de até 10% dos ativos da instituição. Esse deve ser um dos grandes pontos de discussão da norma durante a consulta pública. O regulador também permitiu que a remuneração do instrumento seja atrelada ao câmbio e que o lastro venha também de operação de refinanciamento imobiliário. A legislação prevê isenção de Imposto de Renda para os investidores.

Embora a proposta da norma seja considerada boa, entre os grandes bancos a percepção é que o benefício em taxas trazido pela LIG não é relevante se comparado aos custos de se emitir o instrumento. A operação vai exigir toda uma estrutura de monitoramento independente da carteira, além de "rating" das operações - que se traduz em custos para o emissor.

Sem contar as linhas do FGTS destinadas ao programa Minha Casa Minha Vida, a poupança hoje é a fonte mais usada e mais barata de captação de recursos para o crédito imobiliário, e isso não deve mudar. A competitividade de instrumentos como a LIG, porém, cresce em cenário de queda da Selic. "A atratividade é maior quanto menor a taxa básica de juros da economia", afirma Gilberto Abreu, presidente da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).

A retomada da economia é outro fator fundamental para que haja demanda para a emissão da LIG, segundo Carlos Ratto, diretor-executivo comercial e produtos da Cetip. "O funding bancário para o financiamento imobiliário deve ser inicialmente atendido pela poupança, e a LIG surge agora como uma fonte complementar de recursos", diz.

Ainda que a equação dos spreads seja pouco atraente no curto prazo, Abreu defende a importância de avançar na regulamentação da letra. "A LIG é uma parte importante da infraestrutura do mercado e é fundamental para que ele deixe de ficar preso à equação poupança-FGTS."

A falta de recursos da poupança foi um dos fatores que ajudou a derrubar o crédito imobiliário no Brasil nos últimos anos. Em 2016, o saldo de empréstimos feitos com funding da poupança caiu 38,4%, para R$ 46,6 bilhões. Foram os empréstimos com recursos do FGTS que sustentaram o mercado no período, somando R$ 64 bilhões, com alta de 18,5% no mesmo período.

Para os bancos de médio porte, a conta para emitir a LIG tem mais chances de compensar do que para os grandes. Isso porque existe a expectativa de que a dupla garantia melhore a avaliação de risco da instituição financeira, o que faria com que os investidores aceitassem uma taxa menor para aplicar.

O problema é que a LIG concorre com outro instrumento com características muito parecidas e também isenta de impostos: a letra de crédito imobiliário (LCI). Em dezembro, o saldo de emissões de LCI, título que conta com lastro em financiamentos imobiliários, mas que não são separados do patrimônio do banco, como no caso da LIG, era de R$ 201,8 bilhões.

Para o Intermedium, banco de médio porte especializado em crédito habitacional, a LIG só deve ganhar atratividade a partir do momento em que houver mudanças na LCI, com uma possível taxação do papel. "Com a LCI como está, não há muito apetite para LIG", diz Marco Túlio Guimarães, diretor-executivo do banco. Segundo ele, o Intermedium tem conseguido alongar o prazo médio de suas LCIs, que nos últimos seis meses saiu de 300 dias para 420 dias.

Projetada para atrair o investidor estrangeiro, a LIG também deve sofrer concorrência do próprio governo, já que a aplicação de recursos externos em títulos públicos conta com isenção fiscal. "Não vejo por que um estrangeiro aceitaria receber uma taxa mais baixa em uma LIG do que em um título público, que ainda conta com a vantagem de ter uma maior liquidez", diz o executivo de um grande banco.

O teto de 10% dos ativos do banco estipulado para a emissão é outro fator que pode limitar o crescimento da LIG, em particular para os bancos menores, segundo Carlos Ferrari, sócio do escritório NF&BC Advogados, que atua no setor imobiliário. "Não está claro se esse percentual atende o setor financeiro como um todo ou a emissão de LIG ficará restrita a um grupo menor de instituições", afirma.

No caso do Intermedium, que conta com pouco mais de R$ 3 bilhões em ativos, a emissão de LIG chegaria a no máximo R$ 300 milhões com essa regra. Para efeito de comparação, o banco tem hoje R$ 1,2 bilhão em LCI. Segundo uma fonte que acompanhou a confecção da medida, o limite de 10% foi pensado como uma medida prudencial e existe em outras legislações, como a do Canadá.

Apesar dos potenciais entraves, o sucesso da LIG viria em boa hora, uma vez que fontes alternativas de recursos para o financiamento imobiliário ou ainda são incipientes ou têm ficado estagnadas no último ano. O estoque de LCI, por exemplo, de R$ 201,8 bilhões, recuou 1,2% nos últimos 12 meses. Já o saldo de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) soma apenas R$ 73,6 bilhões, com crescimento de 21,4% no ano, mas longe de ser suficiente para sustentar o financiamento habitacional em um cenário de retomada da economia.

FONTE: VALOR ECONôMICO