A fuga dos investidores da caderneta de poupança em 2015 causou um aperto no crédito imobiliário difícil de ser revertido, que só não resultou em maiores problemas porque está fraca a demanda para a compra de imóveis. Mas seus reflexos podem ser vistos nas crescentes demissões na área da construção civil. Os resgates superaram os novos investimentos na poupança em nada menos de R$ 53,6 bilhões no ano passado, o pior desempenho em 20 anos da série histórica.
O rendimento de 8% da poupança perdeu feio da inflação de 10,67% e isso explica em parte a saída dos investidores. O ganho das aplicações em fundos de renda fixa foi mais atraente, mesmo considerando a incidência de Imposto de Renda, e pode ser ter como referência o CDI, que acumulou 13,24%, ou o CDB, com 12,31%. Mas os resgates também foram justificados pelo menor crescimento da renda real das famílias, aumento dos gastos com tarifas e outras despesas turbinadas pela inflação e, ainda, pelo desemprego. Mesmo no conturbado ano das eleições presidenciais de 2014, o saldo do investimento na caderneta ficou em R$ 24 bilhões.
Como a poupança representa 80% do lastro do financiamento habitacional concedido pelos bancos, o impacto foi imediato na redução da oferta de recursos. Em maio, o Banco Central chegou a liberar R$ 22 bilhões em recursos do compulsório para irrigar as carteiras dos bancos. Apenas a Caixa recebeu R$ 10,5 bilhões. Aí armou-se uma pequena polêmica. Só metade dos recursos foram utilizados e a conclusão lógica é que a demanda também encolheu. Há quem discorde e argumente que o aperto teria sido pior não fosse a liberação do compulsório.
O fato é que as operações de crédito contratadas com recursos da poupança para a construção, reforma, compra de imóveis e de material tiveram queda de 30,7% de janeiro a novembro para R$ 70,8 bilhões em comparação com os R$ 102,2 bilhões de igual período de 2014, registram os dados da Abecip. Outras alternativas de funding de mercado também desaceleraram, como o estoque de letras de crédito imobiliário (LCIs), que cresceu 24%, menos da metade dos 55,7% de 2014. O resultado é que, levando em conta o crédito imobiliário total acompanhado pelo Banco Central, incluindo recursos do FGTS, houve crescimento de 17,1% nos 12 meses terminados em novembro, abaixo dos 28% de 2014.
O que começou no cofrinho do investidor foi se somar aos problemas das empresas da construção civil, já atribuladas pela desaceleração dos investimentos em infraestrutura e pelas investigações da Operação Lava-Jato. A construção civil acabou sendo o segundo setor em demissões em 2015, depois da indústria, com o corte de 514 mil vagas nos 12 meses terminados em novembro. As áreas em que as demissões mais cresceram foram nas obras de infraestrutura (14,5%) e construção imobiliária (13%). O número de trabalhadores voltou para 2,9 milhões, o patamar de agosto de 2010.
A situação atinge uma categoria de mão de obra com pouca especialização ou colchão de reservas para superar momentos de adversidade e isso preocupa o governo, que tem sua parcela de culpa. O governo tem dívidas com as construtoras por conta de atrasos de pagamentos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que chegam a quatro meses, e das obras do programa Minha Casa Minha Vida. Entre os balões de ensaio que circulam a respeito do pacote de estímulos à economia que o governo acena chegou-se a incluir o chamado PAC da Construção Civil. A ideia foi recebida com alguma ironia pelo setor, que já ficaria satisfeito se os pagamentos atrasados fossem quitados.
De concreto, houve a largada da fase três do Minha Casa Minha Vida (Estado 13/1), prometido já na campanha presidencial de 2014, mas feito pela metade. Ficaram de fora as linhas para as faixas de menor renda porque são as que contam com maior subsídio e o governo enfrenta restrições orçamentárias e não pode mais recorrer às "pedaladas", em que o FGTS arcou com o compromisso contando com o pagamento posterior do Tesouro. Por conta do acerto de operações desse tipo, o FGTS recebeu R$ 22,6 bilhões no fim de 2015. Do lado da poupança, também não há expectativa de melhora do fluxo de dinheiro por causa da esperada elevação dos juros e da desaceleração da economia. A própria Abecip já prevê que o volume das operações de crédito imobiliário lastreadas na caderneta vai cair novamente, para R$ 60 bilhões.