Ernani Fagundes
A atual desaceleração da economia brasileira poderá impedir um ritmo maior da expansão do crédito nos próximos dois anos, diante da perspectiva de um menor crescimento da renda das famílias e preocupações com a manutenção do emprego.
Os bancos brasileiros sofrem perdas bilionárias com a inadimplência. Entre os exemplos recentes registrados em balanços do segundo trimestre de 2014, o Bradesco exibiu perdas de R$ 11,9 bilhões em 12 meses, cerca de 3% de sua carteira de crédito expandida. O Santander também relatou em balanço, perdas líquidas com ativos financeiros em empréstimos e financiamentos de R$ 11,8 bilhões nos quatro últimos trimestres, ou cerca de 5,2% de carteira de crédito expandida.
"Dado o atual cenário econômico, podemos dizer que num horizonte dos próximos dois anos, o endividamento não deve aumentar. A migração das classes C e D tende a estabilizar se não houve crescimento da renda e manutenção de empregos", afirma o vice-presidente da Ordem dos Economistas do Brasil (OEB) e professor do Insper e da Fipecafi, José Dutra Vieira Sobrinho.
Dados do Departamento de Pesquisas Econômicas (Depec), do Bradesco, relativos a junho último, mostram que o percentual de endividamento das famílias caiu nos últimos 12 meses, de 65,2% em julho de 2013 para 63% em junho de 2014, quando incluído dívidas com cheque pré-datado, cartões de crédito, carnês de loja, empréstimos pessoais, prestações de carro e seguros. No detalhe, 12,7% das famílias brasileiras estão muito endividadas.
O professor lembrou que os bancos estão seletivos e preferem dar crédito apenas em linhas de menor inadimplência como crédito consignado e financiamento imobiliário. "No consignado, o calote é mínimo. E no financiamento imobiliário há a garantia da alienação fiduciária [da tomada do imóvel em caso de calote]".
Os últimos dados do Banco Central (BC), relativos a março de 2014, mostravam o percentual das famílias com endividamento habitacional havia subido para 45,7% das famílias, enquanto o endividamento sem o financiamento habitacional havia recuado para 29,4%. "O problema do endividamento imobiliário, principalmente no programa Minha Casa Minha Vida, é que a família fica endividada por um longo tempo, 30 anos, e compromete a sua renda", diz Sobrinho. Na média apurada pelo BC, do último mês de junho, o prazo médio dos contratos era 14,8 anos.
Em nota de imprensa, a Caixa informou que fechou 609,743 mil contratos de financiamento imobiliário entre 2 de janeiro de 2014 e 30 de maio de 2014. Já dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) mostram que num período de 12 anos, o número de unidades mensais financiadas se multiplicou por 20, de 1,5 mil unidades em junho de 2002 para 29,140 mil em junho de 2014.
Busca de novos clientes
Ao mesmo tempo, bancos como a Caixa Econômica Federal e o Bradesco ainda buscam crescer e alcançar novos clientes da classe média (C e D) em comunidades carentes. Ontem, a Caixa inaugurou uma agência em Paraisópolis, em São Paulo, e o Bradesco, outra agência na Vila Kennedy, no Rio.
"A chegada de agências em comunidades marca a transformação da região em bairro. Isso é positivo para o comércio local e ainda temos muita gente consumindo. Mas claro também estamos preocupados com o preço das coisas [inflação] e o emprego depois das eleições", afirmou o líder comunitário de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, ao comentar a chegada ontem da agência da Caixa Econômica em seu bairro.
O professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Samy Dana, alerta que o tipo de crédito que chega nessas regiões carentes é muito caro. "As taxas cobradas em cartões passam de 200% ao ano. Os bancos aumentaram seus spreads [prêmios] e temos, hoje, o maior spread do mundo", diz.